MAIS DE 100 MORTOS EM MASSACRES NA RDC
Katoyi (RDC), 13 Jun (AIM) – Mais de 100 pessoas foram mortas e milhares de outras deslocadas em massacres com motivação étnica no nordeste da República Democrática do Congo (RDC) mês passado, disseram fontes governamentais.
Bigembe Turikonkinko, chefe do sector de Katoyi no território de Masisi, no Kivu Norte, identificou 120 pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, que foram mortas em 12 aldeias.
Estes massacres foram levados a cabo entre 17 e 22 de Maio último em Katoyi e arredores.
O comissário da polícia em Katoyi, o Capitão Lofimbo Raheli, diz que os ataques foram levados a cabo por uma coligação de dois grupos Mai-Mai: o Raia Mutomboki, que até este ano operava apenas no Kivu Sul, e o Mai-Mai Kifuafua.
Segundo Raheli, acredita-se que a aliança dos Mai-Mai está a operar como um colectivo de grupos mais pequenos contra os falantes do Kinyarwanda, lingual do Ruanda.
O grupo Mai-Mai Kifuafua foi fundado por membros da etnia Tembos em princípios da década de 1990 para lutar contra as milícias ruandesas pro-hutu das Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR) e alega ter apoiado o exército congolês, FARDC, durante anos, em operações contra as FDLR.
Raia Mutomboki, que significa “cidadãos zangados”, foi formado sem coesão no Kivu do Sul há menos de cinco anos mas foi reactivado e pegou em armas contra as FDLR em 2011, quando as forças governamentais deixaram posições desocupadas em Shabunda, no Kivu do Sul.
Começou a guerra entre o Raia Mutomboki e as FDLR, que fez pelo menos 50 mortos, segundo o analista da RDC, Jeson Stearns. Os ataques alastraram-se para o noroeste e, em aliança com os Mai-Mai Kifuafua, Raia Mutomboki entrou em Masisi e Walikale – também na província do Kivu do Norte – onde realizaram os primeiros ataques em Maio este ano. Desde então cerca de 1.500 famílias refugiaram-se em Katoyi, segundo oficiais da aldeia, onde as suas novas palhotas de bambu se espalham pelas pequenas montanhas.
Peritos estão preocupados que estes últimos ataques sugerem que os Raia Mutomboki estão agora a deixar de visar as famílias dos rebeldes das FDLR para dirigir os ataques contra qualquer membro das comunidades falantes da língua do Ruanda no leste da RDC.
Patrick Borama, de 26 anos, descreve com tristeza os ataques que mataram a sua mãe, a sua irmã que estava grávida, e dois sobrinhos seus, juntamente com outros 20 residentes da aldeia de Marembo a 14 e 15 de Maio. “Antes dos ataquês ouvimos rumores dos Raia Mutomboki. No primeiro dia dos ataques vimos que eram pessoas que falavam swahili e tinham vestes de rafia, quase nus,” disse.
Borama não foi capaz de dizer quantos homens eram, mas outras testemunhas falaram de grupos de entre 10 e 40. Borama disse eles atacaram com paus, lanças e machados e algumas AKMs. Disse que eles gritavam a sua intenção de matar qualquer um que fosse falante de Kinyarwanda.
Os atacantes mataram a mãe de Borama espetando- lhe uma lança no peito; eles mataram a irmã dele com uma bala na nuca enquanto ela fugia, e os seus sobrinhos foram mortos com paus e ficaram com os intestinos à mostra. Ele passou uma semana escondido na mata, e só regressou quando pararam os disparos. Ele enterrou 10 corpos, já putrefactos, incluindo o da sua mãe, irmã e sobrinhos.
Exército exausto
“A situação é a pior já vista em anos. Progressos alcançados estão a ser perdidos uma vez que zonas antes estáveis estão agora a tornar-se cada vez mais inseguras,” disse Samuel Dixon, conselheiro de políticas, da ONG Oxfam.
As FARDC estão a manter uma frágil estabilidade na região desde 2009, mas em Abril, uma série de deserções lideradas pelo Gen Bosco Ntaganda, indiciado de crimes de guerra, deixaram um vazio de poder, que foi preenchido pelas milícias. O exército está agora sobrecarregado e a enfrentar novas ameaças e a rebelião que acontece junto à fronteira com o Uganda.
Milhares de refugiados congoleses têm atravessado a fronteira em direcção ao Uganda e Ruanda por causa da guerra entre o exército e os rebeldes.
Junto à aldeia de Remeka, em Masisi, as FARDC colocaram um batalhão em resposta aos pedidos dos residentes locais para garantirem a sua segurança.
Os milhares de deslocados em Remeka, muitos a viverem hospedados noutras famílias, fugiram de ataques de retaliação pelo FDLR que peritos em segurança dizem que fizeram centenas de mortos.
A MONUSCO colocou um pelotão de 36 uruguaios da força de paz numa base temporária perto de Katoyi, donde fazem patrulhas diárias.
Na tarde de 2 de Junho, o comissário da polícia, Raheli chegou à base das forças de manutenção da paz com notícias de um outro massacre. Ele disse que os Raia Mutomboki tinha atacado a aldeia de Kahunda – a alguns quilómetros de Katoyi – às 13:00 horas. Dia seguinte Turikonkinko, chefe do sector, confirmou que os Raia Mutomboki estavam a aproximar-se cada vez mais da aldeia. “A nossa segurança foi quebrada,” disse. Segundo Raheli, nove pessoas foram mortas em Kahunda.
Turikonkinko diz que recebeu um comunicado dos Raia Mutomboki que expressa a sua intenção de matar os restantes falantes do Kinyarwanda na zona.
Na manhã de 3 de Junho, muitas das palhotas de bambu, habitadas por deslocados foram abandonadas. Oficiais de campo disseram que foi porque as pessoas ouviram sobre os ataques do dia anterior e fugiram novamente, com medo que os Raia Mutomboki invadam Katoyi; a 4 de Junho aqueles que fugiram tinham regressado, mas a atmosfera permanece tensa.
Há necessidade de soluções permanentes
A MONUSCO tem procedimentos operacionais para o caso de a aldeia de Katoyi ser atacada. Quatro metralhadoras pesadas vão tomar posições em volta do arame farpado que cerca a base; as tropas estarão do lado de fora, e os civis numa área protegida, ligeiramente maior que um campo de futebol.
Bernard Harerimana, director da escola primária em Katoyi, parece estar cansado de ter 120 pessoas a viverem na sua escola mas também está preocupado com a segurança delas. Ele diz recear a chuva durante a noite, que entre nas suas palhotas e que os deixa com muito frio e molhados.
Harerimana diz que de dia elas abandonam as salas de aulas, mas à noite permite que elas durmam no meio das carteiras. Os seus alunos não têm onde sentar, diz ele, porque os deslocados estão a utilizar as carteiras como lenha e a escola está a ficar toda cheia de lixo.
Dixon, da Oxfam, diz que o governo congolês e a ONU têm planos para estabilizar o leste do Congo, mas que a actual onda de insegurança mostra que os planos não estão a funcionar. Ele apelou a um sério cometimento político para se encontrar uma solução duradoura, envolvendo actores locais, regionais e internacionais e incluindo um real progresso na reforma do exército.
“Sem uma solução duradoura para os problemas do leste do Congo, crises como esta vão continuar a atormentar a RDC e pessoas comuns vão continuar a enfrentar o risco quotidiano de violência tal como massacre, violações, extorsão, trabalho forçado e pilhagem. É inaceitável que a violência no Congo continue e que não seja devidamente reportada. Enquanto os líderes mundiais condenam os massacres na Síria, as tragédias humanas que acontecem no Congo são ocultadas, quando muito, ou simplesmente ignoradas,” disse ele.
(AIM)
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